Dor em arte – Patrícia Krug supera cada dia o sofrimento de duas doenças crônicas graças à pintura.
Dor em arte
A mineira Patrícia Krug transformou sua história de dor em arte. E a arte transformou sua vida. Abandonou uma carreira bem sucedida no mundo corporativo para se dedicar a pintura, esse foi o desfecho de sua difícil trajetória. Em 2005, Patrícia foi diagnosticada com esclerodermia e espondiloartrose, doenças crônicas, cujo tratamento inclui medicamentos quimioterápicos e remédios com fortes efeitos colaterais. Patrícia conseguiu superar muitos obstáculos impostos por estas condições com a ajuda da pintura. O resultado são dezenas de obras de expressivo valor estético, apresentadas em diversas exposições no Brasil e no exterior.
Mais do que alternativa para enfrentar os desafios de conviver diariamente com dores severas e o isolamento social, a arte trouxe um novo significado para a vida de Patrícia. “Eu não vivo a doença, vivo a cura”, explica ela, que realizou suas duas primeiras pinturas em 2007. Aquele ano foi extremamente difícil, pois uma embolia pulmonar havia resultado em momentos pesarosos de recuperação, quando Patrícia ainda trabalhava em uma grande empresa. Sem dar muita importância para o insight criativo, ela acabou guardando as telas em cima do armário, mas não tardou a descortinar novamente o talento para pintar quando descobriu os benefícios da arte terapia a arte de viver.
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Patrícia explica que o processo criativo promove um bem-estar que ajuda a enfrentar as consequências das duas doenças, que são autoimunes e provocam dores em diversas partes do corpo e sérias complicações em órgãos. O tratamento principal visa a diminuição da dor e da incapacidade, porém Patrícia intuiu que cuidar apenas da saúde física não seria suficiente. “Descobri que, apesar do fator genético, o estado emocional foi predominante em minha história clínica. Eu tinha adoecido a mente muito antes de adoecer meu corpo”.
A decisão de pesquisar sobre os efeitos da arte na saúde e participar de grupos de arte-terapia foi incentivada pelos médicos que acompanham Patrícia. “A arte foi a maneira que encontrei para me comunicar. Fui percebendo que as pessoas não me ouviam de verdade. Eu estava cansada de ter de explicar a todo mundo o que se passava comigo e ouvir apenas julgamentos. O discurso da arte passou a ser mais ouvido por todos”, afirma Patrícia.
Pintar acabou se tornando uma luz no fim do túnel em meio a tantas dificuldades, por isso ela conseguiu transformar a sua dor em arte “Mergulhei em mim mesma e recuperei minha auto-estima. Graças à arte, eu ativei uma parte do meu corpo que é saudável e me desvencilhei da percepção da doença. Não curei meu corpo, curei minha mente”. Patrícia chegou a diminuir os analgésicos. E com tão bons resultados, resolveu divulgar sua história nas redes sociais na internet e se associar a grupos de portadores de doenças raras. Não conformada, também passou a telefonar diretamente para o Ministério da Cultura, reclamando da falta de projetos voltados para a arte-terapia no país. “Hoje se fala muito em minorias, mas esquecem que os doentes raros também fazem parte desse grupo”, afirma ela, que conseguiu ser convidada para audiências públicas para discutir o assunto. “Estou fazendo a minha parte, mas não quero fazer projetos, quero pintar”.
Arte de Viver a dor em arte
Patrícia sempre gostou muito de arte. Nunca havia pensado em se tornar artista, mas tinha certa bagagem estética, oriunda do ambiente familiar, e moldada posteriormente em um curso de design de interiores. Apesar de dizer que não sabe desenhar, seus quadros são preciosamente elaborados e apresentam exímio domínio da técnica da pintura em acrílico. Espaços desconstruídos, imagens sobrepostas e cores vívidas refletem a influência de artistas modernos de sua preferência, como Picasso, Paul Klee, Miró, Kandinsky e Modigliani. As temáticas, em grande parte, são autobiográficas e, em vez de mostrar o lado sombrio do sofrimento, evocam sentidos otimistas, revelando principalmente o poder da superação humana. “Com certeza, sou muito mais feliz agora”, declara Patrícia, firmando assim o quanto a arte pode trazer um sentido mais profundo para a existência.
A artista cria imagens que revelam suas mais profundas subjetividades, traduzidas também em mensagens universais, entre elas, a de que a vida é dotada de uma força misteriosa e vibrante. Sua linguagem visual revela o próprio jogo da memória da artista transformando a dor em arte, com uma profundidade moldada pelas vicissitudes da vida. Trata-se de um sentido intrínseco a toda obra desta artista, que há alguns anos passou a dedicar-se integralmente à pintura.
Seu universo estético representa a ideia de que os arquétipos míticos e artísticos universais estão presentes no mundo antes de nosso próprio eu, revelando que a artista recorreu aos textos de Jung, entre outros grandes estudiosos da relação entre arte e busca interior, para criar uma iconografia peculiar. Seu repertório alerta aos espectadores que o mistério da vida é insolúvel, porém nos resta ainda a condição de desvendar a nós mesmo, em uma jornada interior que a tudo confere sentido. Este seu ponto de vista vem contribuindo para iluminar a importância da arte terapia, que traz sentido à vida a partir do entendimento de que os sintomas das doenças são apenas a tentativa de manter-nos vivos.
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Quem busca a arte como terapia para se conhecer melhor, aliviar suas dores e viver com mais qualidade e equilíbrio, vivência processos utilizando recursos da arte, sem a intenção de dedicar a maior parte de sua vida à produção de alguma linguagem expressiva ou habilitar-se como artista e receber o reconhecimento público. Por vezes, a vida para se preservar exige um canal de expressão com tal intensidade, que é através da arte que a experiência da dor, do sofrimento psíquico e dos conflitos capazes de bloquear a lucidez pode emergir, organizando conteúdos e atraindo a atenção de outras pessoas. Em alguns casos, é impactante a identificação do público com a mensagem veiculada por esses artistas, que produzem obras carregadas de sensibilidade, traduzindo suas vivências além das fronteiras que a maioria das pessoas supõe suportar. Assim ocorre com a obra consagrada de Frida Kahlo e de Artur Bispo do Rosário, esses também conseguiu transformar a dor em arte. Nos dias de hoje, vem acontecendo com a mineira Patrícia Krug.
A doença limitante (esclerodermia e espondiloartrite) lhe impôs dores crônicas, a fragilidade diante da vida a afastou do trabalho, das pessoas, deprimindo e levando sua esperança. Nesse cenário devastador, Patrícia foi chamada à luta: dentre tantas necessidades – repouso, superar os efeitos colaterais das drogas e os sintomas que lhe roubam as forças, precisa de medicação inacessível e indispensável, que exige mediação da justiça e ainda deve brigar pelos parcos recursos que lhe deve a seguridade social. Descobre então muitas outras pessoas que vivem nessa espécie de limbo, esquecidas, à margem, sofrendo e com frequência desistindo diante das adversidades. Num momento de dor, angústia e ansiedade resolve desabafar dando pinceladas numa tela. Descobre a proposta da arteterapia através de uma médica reumatologista especializada nesta área, e descobre o gosto pela pintura, entregando-se com intensidade ao desafio de retratar o que sente.
Claudia Regina da Silva (Reg prof 7182 DRT RS)
Fonte: Arte Crítica
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