Uma Militar convivendo com a Espondilite – O serviço militar é um campo típico masculino, onde a força e condicionamento físico é essencial, nesse campo uma guerreira convive diariamente com a dor e a necessidade de superar cada dia.
Uma Militar convivendo com a Espondilite
Uma Militar convivendo com a Espondilite: Sempre fui muito agitada, inquieta, corredora, amante dos esportes-principalmente o futebol- aventureira, apaixonada pela vida, esse mistério mágico. Sempre quis ajudar as pessoas, aliviar sofrimentos, por isso escolhi uma profissão com atividades de condicionamento físico e que possibilitasse ajudar as pessoas em momentos difíceis.
Em 2008 passei no concurso para o Corpo de Bombeiros. Viver diariamente esse ideal me dava orgulho e sentido no mundo. Ajudar e acolher as pessoas nos momentos de dificuldade não era um trabalho, era uma honra!
Não estava nos meus planos sair do Corpo de Bombeiros. Contudo em 2013 fui convocada para o processo seletivo do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar, concurso que nem lembrava que havia prestado. Confesso, não era intenção sair da Coirmã. No entanto a perspectiva de ascensão hierárquica, mudei de ideia. Nunca me arrependi da mudança, apesar dos árduos aprendizados.
Não me arrependi porque no percurso da minha curta carreira como policial militar da ativa, pude perceber a realidade complexa e penosa dos profissionais expostos diariamente a violência da sociedade. Pude perceber de outra perspectiva a importância da instituição policial em qualquer Estado Democrático de Direito, de pensar sobre Segurança Pública de maneira global e me apaixonei pela disciplina criminologia e gerenciamento de crises. Sobre este tema realizei o trabalho de conclusão de curso.
Em minhas pesquisas em busca de conhecimento, descobri a necessidade de mudanças estruturais que devem ser debatidas com toda a sociedade. Não há como mudar culturas sem modificar estruturas. Eu estava disposta a estudar, aperfeiçoar-me para contribuir no cumprimento do meu papel institucional eficientemente e também para mudanças necessárias em termos de cultura organizacional e consciência democrática.
No entanto, por ironia do destino, minha estrutura foi abalada em agosto de 2016 com diagnóstico de doença autoimune inflamatória degenerativa incurável: Espondilite anquilosante.
Ainda no curso de formação de oficial comecei a sentir dor glútea no quadril e uma fadiga descomunal diferente do habitual de dias cheios de tarefas. Inicialmente achei ser devido a rotina de exercidos diários na academia militar, principalmente os exaustivos corridões em tropa, atividade característica do militarismo.
No segundo semestre de 2015, durante a madrugada, uma dor lombar de forte intensidade que se irradiava para perna me acordou. Eu não posso afirmar que tamanha dor é a maior que existe, só posso afirmar que não desejaria sequer segundos desta dor para ninguém na face da Terra.
De ambulância, fui conduzida para internação no Hospital Militar de Natal, onde permaneci internada, sendo medicada com remédio Tramal endovenoso, dentre outros, mas sem nenhuma perspectiva de diagnostico definido. Permaneci absolutamente dependente até para fazer necessidades básicas como tomar banho e vestir roupas, até o tempo em que já conseguia me movimentar com auxílio de muletas.
Aos poucos voltei a andar com dificuldade, contudo a dor aumentava em repouso, sentia-a com mais intensidade ao acordar, além de uma duradoura rigidez matinal.
Após consulta em uma clínica especializada em reumatologia em Natal/RN, foi cogitado o diagnóstico, espondilite anquilosante. Após os exames laboratoriais, clínicos e radiográficos em agosto de 2016 foi confirmado o diagnóstico.
Como não conhecia a doença e estava iniciando tratamento com os remédios biológicos achei que fosse possível continuar a carreira militar, acreditava ser possível ter recuperação completa voltar a tirar serviços operacionais sem ter crises persistentes ou ter o quadro inflamatório agravado. Eu queria fazer carreira, deixar um legado, fazer a micro mudança diariamente sendo a melhor que eu pudesse ser para instituição.
Entretanto não foi o que aconteceu. A dor e as crises ficaram mais constantes e prolongadas após grandes esforços, tais como: ficar muito tempo em pé nas formaturas militares, portar equipamentos de peso como coldre -estojo acoplado a cintura para porte de arma- e colete balístico, o qual se tornou insuportável. Movimentos como marchar ou subir e descer escadas ficaram mais difíceis de realizar, o que me causou grande abatimento.
Ainda surgiram outras complicações como PPD reagente alto indicando infecção pela bactéria da tuberculose., Disfunção Temporomandibular devido a um problema na articulação da boca, inflamação nos olhos, problemas intestinais, dor no calcanhar (entensite) e fascite plantar, para além da dor em toda extensão da coluna e sacroíliaca, bem como fadiga extrema.
Com o tempo percebi que ser portador dessa doença é como ter a vida em uma montanha-russa. Há dias em que você estará bem e outros em que você estará muito mal. Por isso também há a necessidade de acompanhamento psicoterápico.
Ante a todos os problemas e dores causados pela doença também fiquei fragilizada emocional e psiquicamente. Como se não bastasse toda dor e sofrimento ainda fui alvo de comentários maldosos dos colegas de trabalho, os quais criaram para mim um ambiente hostil. Com isso comecei a sentir que não poderia ser útil como antes e sem ter nada que pudesse fazer para mudar esse pesado estigma.
Apesar de algumas almas compreensivas que encontrei no caminho, alguns me julgavam como sendo uma “Enrolona” ou a que estava fazendo “migué”, como se diz no jargão militar.
Como meu quadro dentro das funções organizacionais da instituição não é administrativo, fui reformada em 26 de julho de 2019 pela junta médica.
Em geral, as pessoas não fazem ideia dos cuidados permanentes para evitar o avanço da patologia e de quanto isso impacta em vários aspectos da minha vida. Necessito de constante acompanhamento de profissionais de saúde como fisioterapeutas, reumatologia entre outros, pois a doença pode afetar tecidos e órgãos, além disso devo manter uma rotina de exercícios físicos com acompanhamento especializado para diminuir as dores e manter saudável a musculatura.
Independentemente de qualquer julgamento ou problema vou continuar a sorrir, porque a vida sem sorriso não tem sentido, sorrir e buscar a saúde diariamente é a única forma de ter qualidade de vida, essa vida que ainda amo muito e vou sempre amar.
Sempre acreditei que cuidar da vida do outro é reflexo do respeito que temos por nossa própria vida e saúde. Quem ama a vida sabe reconhecer a importância da vida em outros rostos, em outras existências.
A missão de ajudar as pessoas continua de outras maneiras. Mas nesse momento preciso cuidar de mim.
“será que é tempo que lhe falta pra perceber que será que temos esse tempo pra perder e quem quer saber a vida é tão rara, tão rara” (Lenine)
Iris Bianca Marques – Fone: (96)98105496 E-mail: ibpmjp@gmail.com
Curta nossa página no Facebook
Comentários